Calamidades naturais ou impacto humano?

16-11-2010 10:40

Segundo estatísticas do IBGE, no ano de 2000, 47,8% dos municípios brasileiros não tinham serviços de esgotamento sanitário e 44,7% dos domicílios não estavam ligados à rede coletora, sendo o esgoto a céu aberto considerado como um dos maiores problemas ambientais e de saúde pública do país. No Brasil, dados da Fundação Estadual de Meio Ambiente indicam que dos 853 municípios do Estado, cerca de 92% ainda lançam os esgotos brutos nos corpos d’água. Sabe-se que inúmeras doenças graves estão relacionadas à poluição da água, conforme quadro abaixo2, o que justifica a utilização de todos os instrumentos possíveis para combatê-la, não só por razões ambientais mas também por razões de saúde pública.

 

Desta forma, o tratamento de esgotos é medida básica de saneamento, trazendo benefícios para a coletividade e economia para o Sistema Público de Saúde (estudo da UFRJ estima que 68% das internações nos hospitais públicos são provocadas pela água contaminada). Ademais, uma das conseqüências mais dramáticas do saneamento deficiente é a mortalidade infantil de crianças com até um ano de idade. Ainda no ano de 2000 o IBGE detectou 1.159 municípios com taxas alarmantes de mais de 40 mortes por mil nascidos vivos, índice que a Organização Mundial de Saúde (OMS). Desse total, 1.086 estão no Nordeste, 48 no Norte e 25 em Minas Gerais, sendo que os municípios que têm as maiores taxas de mortalidade são também os que explicitam mais problemas de saneamento. Os danos ambientais decorrentes do lançamento in natura de esgotos em corpos hídricos também são enormes. É preciso perceber que tudo quanto é jogado nos ralos das pias, vasos sanitários, bueiros e mesmo nos quintais das casas, acaba interferindo no ciclo natural da água. Substâncias tóxicas, não biodegradáveis, dejetos orgânicos em suspensão (responsáveis pela proliferação de microrganismos patogênicos) e resíduos contendo metais pesados, que se acumulam nos organismos vivos, são comumente lançados sem tratamento em córregos, lagos, rios e mares, que ao invés de simbolizarem vida e movimento, passaram ultimamente a ser relacionados com veneno e morte.

Problemas ambientais não fazem parte da realidade dos brasileiros

Um estudo realizado pela Market Analysis em oito capitais do país revela que existe um grau importante de sensibilidade, entre os brasileiros, sobre o impacto ambiental das ações humanas, mas que ainda falta muito para tal questão ocupar um lugar de relevância em suas preocupações do dia-a-dia. Interrogados sobre quão grave consideram uma série de conseqüências ecológicas da ação do homem, 82% dos brasileiros – em média – julgam como “muito sério” os fenômenos de contaminação, extinção de espécies, exaustão de recursos energéticos e mudança climática. 

Gráfico 1 – Gravidade dos problemas ambientais.
 (% dos que apontam a opção "é um problema muito sério")

Questão: Qual é a seriedade que você atribui a cada um dos problemas indicados: muita, alguma, pouca ou nenhuma
Fonte: Pesquisa realizada com 800 adultos, face-a-face, nas oito principais capitais do Brasil. Nov-Dez.2005. Market Analysis. Margem de erro= ± 3.46%

Quer dizer que a consciência ambiental atingiu seu ápice? Significa que estamos perante uma revolução das massas pela sustentabilidade?
 
Nem um pouco. A admissão da gravidade desses assuntos permanece desconectada do topo da agenda pública nacional. Crise ambiental simplesmente não está inclusa entre os maiores problemas que o país enfrenta atualmente, na opinião dos brasileiros.
O dado surpreende, haja visto a crescente atenção da mídia a tais assuntos. Tomando como referência o número de menções aos assuntos pela mídia nacional, nota-se que o espaço dedicado ao efeito estufa triplicou nos últimos oito anos, enquanto mais do que duplicaram as matérias sobre poluição da água. Só diminuíram ou permaneceram quase iguais as notas sob gases poluentes ou espécies em extinção.


  
Fonte: Arquivos da Folha de São Paulo, 1998-2006(Maio) 

Mesmo diante das catástrofes naturais e do esgotamento dos recursos energéticos (e suas conseqüências ambientais) que caracterizaram os últimos anos, menos de 4% (3,6%) dos entrevistados mencionam espontaneamente problemas ambientais como poluição, superpopulação ou mudanças climáticas quando consultados sobre sua visão dos principais problemas do mundo.  Apenas entre os formadores de opinião, a posição dos tópicos ambientais chega a ser importante – mesmo assim não chega a ser absolutamente prioritária.

É verdade que o assunto é preocupante para um em cada oito líderes de opinião (13,9%) e ocupa um lugar de destaque junto à violência/guerra/terrorismo e corrupção/degradação moral/intolerância. Ainda assim, perde para fatores vistos por eles como muito mais sérios globalmente, tais como a desigualdade e a pobreza. 

A opinião de líderes e público geral coincide em apontar que questões ambientais, na melhor das hipóteses, fazem parte dos problemas do mundo, mas não do Brasil. Menções a questões desse tipo simplesmente somem da agenda nacional.

 

Calamidades naturais ou impacto humano?
 
Tal como indicado no gráfico 1, a poluição da água nos rios, lagos e oceanos é o problema ambiental que desperta maior seriedade entre os brasileiros: 93% dos adultos residentes nas grandes cidades julgam o problema como "muito sério". Dentre todos os itens estudados, o que recebeu o menor índice de gravidade foi o da produção e uso do petróleo, embora uma maioria expressiva dos brasileiros o classifiquem como “muito sério” (60%). 
  
Explorando mais a fundo a lógica subjacente às avaliações que o consumidor no Brasil faz dos problemas ambientais, nota-se a existência de duas dimensões de compreensão do assunto. Uma está relacionada à calamidades naturais, como poluição, desaparecimento dos recursos naturais e mudanças climáticas, e outra aos aspectos diretamente referentes às conseqüências econômicas do impacto humano sobre o ecossistema, o que inclui emissão de gases e limitações e problemas decorrentes do uso do petróleo. Ou seja, ainda existe um descompasso ou dissociação parcial entre as conseqüências ambientais da ação humana e a preocupação com as necessidades econômicas que dependem do uso de energia.  

Essa brecha na consciência ambiental surge como um dos principais entraves à popularização prática de iniciativas pró-sustentabilidade ambiental. Afinal, na medida em que se dissocia espontaneamente a necessidade energética dos desastres ecológicos, existe pouca legitimidade para iniciativas que priorizem uma política ambiental sólida em detrimento de investimentos em outras áreas ou em detrimento do crescimento econômico. 

Fontes:

https://www.ecoterrabrasil.com.br/home

https://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/9/docs/rsudoutrina_25.pdf

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